sexta-feira, 20 de maio de 2011

“Me envolvi em umas broncas de homicídio, daí acabei vindo para cá”



Camila Pagno*

Embora casos de chacinas não sejam registrados em Carazinho, o número de homicídios ocorridos em 2010 no município foi exatamente o triplo do registrado no ano anterior. Enquanto que em 2009 foram contabilizados cinco casos, em 2010 o índice aumentou para 15, sendo a maior incidência de assassinatos dos últimos anos.
J.R.O., 43 anos, está detido no Presídio Estadual de Carazinho (PECAR), pelo crime de homicídio, confesso pelo réu, há seis anos.
 


Você poderia me contar um pouco da sua vida, onde nasceu, as lembranças da infância?
Nasci em Ametista do Sul, mas me criei em Carazinho. Vim para cá quando eu tinha dois anos de idade. Faz 41 anos que estou morando aqui em Carazinho. Me envolvi em umas broncas aí de homicídio, daí acabei vindo para cá.

E na sua infância, morou sempre com o pai e com a mãe?
Sempre com o pai e com a mãe. Até os 14 anos. Tenho nove irmãos.

E como que era na sua casa?
Na nossa casa assim, éramos em bastante pessoas, daí nós tínhamos que trabalhar, foi meio sofrido na época, eram mais difíceis as coisas. Tínhamos que trabalhar para ajudar em casa. Estudei pouco, até a 3ª série. Por que tinha que ajudar em casa. E o meu pai também era meio ruim para mim e com os outros meus irmãos. Acabei saindo de casa, fui para Santa Catarina morar com um irmão meu. E com 16 anos eu me juntei com uma guria.

E seu pai era muito brabo?
Ele era meio neurótico. Ela era ruim para a finada minha mãe.

O que ele fazia?
Ele ficava neurótico, não sei o porquê, acho que deveria ter outra companheira.  Saiu uma vez de casa, depois voltou. Era mais ou menos assim a nossa vida. Ele faleceu em 2002.

Mas eles continuavam morando aqui em Carazinho? Sim. A minha finada mãe faleceu em 1992, deu um derrame nela.

E daí com 14 anos você foi morar em Santa Catarina? Fui morar em Santa Catarina com o meu irmão. Ele tinha uma terra, quando nós morávamos lá meu irmão ficou, e meu finado pai tinha uma terra lá ele vendeu, e daí veio para Carazinho. Nessa época eu era pequeno. Depois eu cresci um pouco e fui para lá morar com ele, fiquei um ano lá e voltei. Eu trabalhava em uma granja.

E lá em Santa Catarina você tinha uma companheira? Não, eu arrumei depois que eu voltei para cá. Eu era novo e ela também. Começamos namorar, nos gostamos e fomos morar juntos. Com 15 anos, ela tinha 13.

E como é que foram os primeiros anos de casados? Convivemos 13 anos juntos. Tenho uma filha com ela, eram para ser duas, mas uma faleceu porque nasceu fora de tempo. Tenho outra guria, a segunda filha do mesmo casamento, ela tem 22 anos. Nós separamos depois que eu vim preso. Ela cansou, veio um ano e pouco, dois anos, e resolveu de não vir mais e nós terminamos. Mas somos amigos, nos damos bem.

E com as filhas, você se dá bem? Me dou bem com elas. Uma delas está casada. Tenho uma neta que vai fazer três anos.

Então, vocês estiveram casados durante 13 anos. E todo esse tempo você trabalhou na granja? Eu trabalhei cinco anos na granja e depois em três outras empresas.

Como que foi que aconteceu que o senhor veio parar aqui?
Eu estava preso em 2004.

Qual era a acusação?
Estava sendo acusado por assalto a ônibus do Paraguai, só que eu tinha comprado os negócios. Era de um furto que uns rapazes pegaram de um ônibus e eu não sabia, o ônibus foi assaltado em Segredo. Como eu não sabia, comprei. A polícia foi lá em casa e me prendeu e aprendeu as roupas que estavam que eu tinha comprado. Aí eu fiquei preso, respondendo o processo, mas consegui o Habeas Corpus, no dia 17 de outubro de 2004. Peguei, saí e minha ex-mulher ficou uns 30 dias sem vir. Quando eu saí conversei com ela, perguntei se ela queria os móveis ou a casa para dividir. Ela ficou com todos os móveis e eu com a casa. Só que ela já tinha outro companheiro, nesse meio tempo que eu estava preso. Essa pessoa que estava com ela ficou com medo de mim e ela ficou botando coisas na cabeça do cara, que eu ia matar ele, Mas ela trazia as crianças para me ver porque queria voltar para mim. Depois eu disse para ela que não dava mais certo, porque ela me abandonou aqui dentro, na hora que mais precisei. Daí o companheiro dela pediu apoio para outros homens que eram traficantes para me matar. Foram na frente da minha casa, me calcorrearam. Como eu sabia que eles viviam em uma boca de drogas, fui lá e matei o cara. Matei um outro homem que estava correndo com ele.

E como são as lembranças hoje de tudo isso que aconteceu?
Me arrependo porque eu poderia ter vendido a casa e ido embora e nada disso teria acontecido; não teria perdido a minha juventude. Fazem seis anos que estou aqui dentro, fiquei cinco anos e cinco meses atrás da porta. Minhas crianças crescendo longe de mim. O menino vai fazer oito anos e a menina vai fazer 11 anos. Eu poderia estar ao lado deles, para orientá-los, por mais que eu estivesse separado da mãe deles. Orientá-los porque o que está acontecendo de negócio de drogas, da cidade, a gente não quer que os filhos da gente se envolvam. A gente quer tentar instruir eles nem que seja de longe, pelo telefone. Já emiti umas cartas de emprego para poder trabalhar e cuidar das minhas crianças. Mas eu sempre procurei fazer tudo certinho. Sempre trabalhei aqui dentro também. Estou no semiaberto.

E o futuro como que o senhor vê?
Eu quero sair, coloquei três cartas no fórum. A primeira eles negaram porque foi mal feita, daí eu emiti mais duas cartas. Porque ele queria mais propostas de serviço. Eu coloquei no mesmo patrão que eu trabalhava outra vez. Coloquei outra carta, foi para Ijuí naquele mutirão e eu não tive resposta, então emiti outra carta também e não tive resposta. A última carta que emiti foi dia 28 de fevereiro. Agora vi com a assistente social outra empresa para ver se consigo. Para eu poder trabalhar para ajudar as crianças.

E sobre o assassinato, depois de tudo isso, como vê  o fato de tirar a vida de alguém?
Vejo que na hora eu fui lá e fiz. Eles tentaram me matar três vezes e eu não fiz nada.  Daí um dia, eu estava em uma lancheri e o homem que estava com minha ex-mulher chegou para me matar. Minha sorte foi que ele estava com uma faca na mão e, como a dona do lugar era minha ex-cunhada eles não quiseram se envolver para depor. Depois de algumas situações como essa, fui à casa da minha ex-mulher procurar o companheiro dela, mas ele não estava lá. No outro dia, tinha uns dez homens na frente da minha casa me ameaçando. Fui na boca de fumo, dei quatro tiros no cara e fui embora. No outro dia que escutei no rádio que ele tinha morrido. Me arrependo de ter feito isso. Poderia ter ido, evitado, vendido a casa, alugado, ido embora. Meu primo veio de Santa Catarina e queria me levar para lá morar com ele. Eu disse que estava respondendo um processo e que ia esperar para ver o que ia acontecer. Ele disse que a hora que eu me livrasse, eles até pagavam a passagem para eu ir. Depois de 15 dias aconteceu isso comigo. Eu poderia ter ido embora, mas não queria ficar foragido. Queria pagar pelo que eu estava respondendo. Inclusive fui absolvido pelo assalto ao ônibus do Paraguai. Acho que já paguei pelo meu crime, o juiz teria que rever minha situação a me dá meus direitos. Eu já meti três cartas para as empresas, só que não tive resposta nenhuma. Quero ajudar minhas crianças, nem que seja de longe. 

*Aluna doVII nível de jornalismo On-line.

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