sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A vulnerabilidade do cuidador diante da depressão

 Dulci Sachetti*

A depressão é uma doença mental tida como a quinta no ranking de incidência no Brasil e que pode afetar também quem cuida do paciente

Foto: http://casasaudavel.com.br
As doenças mentais são assim caracterizadas por serem passíveis de tratamento e cura, diferentemente dos transtornos que apenas tem medidas de minimização diante do diagnóstico.  Se apresentam como uma variação na saúde do indivíduo considerada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como a plenitude nas esferas social, mental e física.

No Brasil, a depressão é a quinta doença de maior prevalência segundo dados do Suplemento de Saúde da Pnad  (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2008, divulgados no ano passado; e de acordo com a OMS tende a ser a segunda em pouco mais de dez anos, alcançando o topo em 2030.

 As doenças mentais são desenvolvidas basicamente perante dois fatores: predisposição para a doença e agentes ocasionais, e prejudicam diretamente as atividades no trabalho, bem estar social e familiar. Os agentes ocasionais, conforme o categorizador DSM IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) são os estressores psicossociais, ou seja, os fatores externos como traumas e vivências às quais o ser humano não se adapta.

Um cuidador de um paciente depressivo está exposto a agentes estressores psicossociais podendo desencadear uma doença mental como a própria depressão, estresse e ansiedade, por exemplo. No livro “Quem cuida do cuidador” de Eugenio Paes Campos, a ideia de que o cuidador está vulnerável à doença é tida como certa. Certo também é que o cuidador igualmente necessita de cuidado. É o que também afirma a acadêmica do curso de Enfermagem da UPF (Universidade de Passo Fundo) Vívian Susin. "O cuidador geralmente é alguém da família e que portanto não recebe por isso, não tem férias e prazer nesta atividade. Muitas ações são feitas nesse sentido de cuidado ao cuidador como oficinas de arte terapia que visam minimizar principalmente o estresse que é tido como desencadeador da depressão”.

A educadora física que trabalha com grupos de terceira idade, Janice Brancalione, foi diagnosticada com depressão e recentemente retornou às atividades após afastamento pelo quadro clínico apresentado. Janice responde à ComArte como depressão interferiu na sua vida.

Revista ComArte: Como você descobriu que estava depressiva?

Janice Brancalione: A pessoa que está com depressão não sabe que está. Geralmente as pessoas de fora é que percebem pelas atitudes apresentadas, quem percebeu foram meus pais e colegas de trabalho; os sinais começaram seis meses antes do afastamento principalmente pela solidão que eu sentia. Eu passava o dia bem, trabalhando, mas quando chegava em casa à noite sentia uma tristeza, não conseguia dormir, chorava, sentia ansiedade e aperto no peito. A depressão já é presente na minha família; meu irmão já teve e minha vó se suicidou quando foi afetada, ou seja, é recorrente.

CA: O que mudou na sua vida depois de apresentar quadro depressivo?

Janice: Depois que as coisas acumuladas como não pensar em mim, sofrer o problema dos outros, me comprometer com pessoas que me decepcionavam, que eu guardava pra mim afloraram, eu já não tinha mais paciência de ouvir, pensava em suicídio, tive estafa nervosa, fui afastada do trabalho devido às crises e consequentemente da sociedade. A vida não era mais normal, só ia à compromissos de trabalho mesmo, não visitava nem mais meus pais.

CA: Quem cuidava de você durante esse período de tratamento? Que interferência isso provocou na vida dessas pessoas?

Janice: Quem cuidou de mim foram os meus pais durante os quatro meses de afastamento. Os cuidados envolviam a observação, me dar os remédios na hora certa, ficar junto, me levar ao medico e conversar. Eles cuidaram de mim e se preocuparam, disporam de tempo. Meus pais sofreram muito comigo no período de afastamento, já que a pessoa que cuida da gente se compromete, se preocupa com o cuidado; sofreram praticamente o mesmo que eu sofri, junto.


A Professora Bernadete Maria Dalmolin está à frente da disciplina de Saúde Mental do curso de Enfermagem na UPF (Universidade de Passo Fundo) e responde acerca dos cuidadores de pacientes depressivos e relação com a doença exposta.

CA: Qual é a incidência das doenças mentais, especificamente da depressão? Porque ela é tão presente, já que praticamente todo mundo conhece ou tem algum parente depressivo?

Bernadete Maria Dalmolin: Vou me ater ao tema depressão....
Em primeiro lugar gostaria de dizer que o termo depressão é utilizado amplamente e, por vezes banalizado, o que pode levar a concepções equivocadas e por vezes prejudiciais ao tratamento efetivo de quem, de fato, apresenta esta patologia. De forma ampla poderíamos classificar pelo menos três usos diferentes para a depressão: um primeiro que é o uso leigo, associado à tristeza e desânimo, e que não representa necessariamente patologia; um segundo que é o uso do termo representando um sintoma que indica humor rebaixado, deprimido, podendo ser encontrado em inúmeras patologias e; o terceiro, que é o uso para definir uma síndrome que reúne um conjunto de sinais e sintomas relacionados principalmente aos denominados transtornos de humor onde se encontra a depressão, chamada de depressão maior.
Os dados epidemiológicos sobre transtornos mentais em geral são escassos e com importantes variações, o que torna essa uma tarefa um pouco difícil. Quanto a depressão, a própria Organização Mundial de Saúde (OMS, 2001) estima que cerca de 15 a 20% da população mundial em algum momento da vida tenha sofrido dessa doença. Este organismo revela ainda que a depressão grave é atualmente a principal causa de incapacitação em todo o mundo e ocupa o quarto lugar entre as dez principais causas de patologia, a nível mundial. Se estiverem corretas as projeções, caberá à depressão, nos próximos 20 anos, a dúbia distinção de ser a segunda das principais causas de doenças no mundo.
Em amostras comunitárias mais recentes, a depressão afeta uma considerável parcela da população, sendo que o risco de depressão maior durante a vida tem variado de 10 a 25% para as mulheres e de 5 a 12% para os homens. A depressão maior é duas vezes mais comum em mulheres adolescentes e adultas do que em adolescentes e adultos do sexo masculino e os estudos do envelhecimento tem chamado atenção para esta doença, uma vez que apresenta freqüência elevada e conseqüências negativas para a qualidade de vida dos indivíduos acometidos. Em Passo Fundo a prevalência de depressão ao aplicar-se a Escala Geriátrica de Depressão entre idosos de uma Estratégia de Saúde da Família, encontrou-se uma prevalência de 21,2%, desses (BORGES, 2010).
Os motivos pelos quais a depressão é tão presente hoje são difíceis precisar. Acredito que atualmente ela é mais conhecida e diagnosticada. Além disso, talvez merecesse um estudo as sobrecargas, exigências e formas de encarar os problemas da vida presentes no mundo contemporâneo.
Um importante questionamento a se levantar é se não estaria havendo um excesso de diagnósticos (hiperdiagnóstico) de Depressão na atualidade. Um exemplo disso são as situações de luto ou outras perdas do decorrer da vida que, muitas vezes, acabam sendo patologizadas pelos próprios profissionais de saúde (quase sempre acompanhados de terapêuticas medicamentosas).

RC: Para o cuidador, até que ponto a depressão do paciente cuidado pode afetar  sua saúde?

Dalmolin: O trabalhador também passa a experimentar uma tensão emocional ao enfrentar essas situações, uma vez que na relação que se estabelece entre ambos há uma intensa transferência desses sentimentos, pensamentos e percepções. Normalmente os cuidadores tem alguma formação que os permite entender tal situação e lançar mão de estratégias internas e externas para o enfrentamento, a fim de impedir que o sofrimento se instale e se transforme em uma patologia. Entretanto, diante da constância dos fatores, da incapacidade de modificar as situações que se apresentam e da falta de escapes para o alívio, o cuidador pode ter como saída o próprio adoecimento. Por isso, na área da saúde sempre falamos que quem cuida de alguém também precisa ser cuidado.

RC: A quais sintomas o cuidador deve estar atento como indícios de que ele está ficando depressivo?

Dalmolin: A apresentação clínica da depressão é muito variada, e se caracteriza por um conjunto de sintomas que interferem com a capacidade de trabalhar, dormir, estudar, comer e se divertir. A pessoa pode apresentar sentimentos persistentes de tristeza, ansiedade, angústia ou vazio, desânimo, cansaço e perda de energia, melancolia, crises freqüentes de choro, diminuição da capacidade de sentir prazer e interesse em atividades anteriormente agradáveis, alterações do sono, do apetite e do peso, pensamentos mais lentos, diminuição da memória e concentração, dificuldade de tomar decisões, atividades físicas lentificadas, sentimentos de pesar ou fracasso, sentimentos de inferioridade e pena de si mesmo, culpa e desvalorização, persistência de pensamentos negativos, pessimismo, isolamento, irritabilidade ou impaciência, inquietação, preocupação com a morte, achar que a vida não vale à pena, desejo de morrer, sensação de que nunca vai melhorar, queixas freqüentes e vagas de dores pelo corpo, desconforto no peito, alterações digestivas.

RC: Como o cuidador pode ajudar o depressivo e ao mesmo tempo zelar pela sua saúde?
Dalmolin: Em síntese: é fundamental que o cuidador esteja bem da sua saúde (mental e física) para poder ajudar alguém com depressão; buscar apoio em profissionais da saúde para ajudar a entender a doença do outro e os sentimentos que emergem dessa relação; ter espaços, no seu cotidiano, para “desconectar” e cuidar de si e; entender que os problemas enfrentados são da pessoa cuidada (e não seus) que precisa de suporte e fortalecimento nas diferentes dimensões da vida.


*Dulci Sachetti é acadêmica do curso de Jornalismo da UPF, Vº nível.

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