sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Na web ou no livro?

Bruno Quevedo*

Podem até dizer que iPhone e tablets são bacanas e tudo mais. Mas não superam o poder da leitura. Quem afirma? A professora Maria Léa Brito Teixeira, graduada em Letras e pós-graduada em Folclores e Produção Textual, e que atua em sala de aula há 35 anos.

Léa no ambiente de trabalho montado em sua casa, onde passa boa parte do tempo, corrigindo trabalhos acadêmicos, uma de suas atividades. (Foto: Bruno Quevedo)


Amante da literatura e antenada às novas tecnologias, a professora se mostrou a favor da integração com novos suportes, mas defende categoricamente o hábito  tradicional de leitura

Confira a entrevista**

ComArte: O gosto pela leitura se desenvolve desde pequeno através do incentivo dos pais e da escola, além do hábito. A internet pode interferir nes­se processo? De que forma?

Léa: Certamente que a influência da cultura familiar é decisiva para que a criança entre na escola sabendo o valor da leitura. O professor tem a tarefa de socializar essa criança através da leitura de vários textos, formativos e informativos, de acordo com a idade cronológica dos alunos, com a realidade da escola e com a filosofia, que sempre aponta para a formação de sujeitos críticos, que sem o domínio da leitura e da compreensão daquilo que lê jamais chegará a essa aspiração da escola.

Com a chegada da internet o processo sofreu uma modificação, eu até diria uma aceleração, pois ela disponibilizou a leitura de informações verdadeiras, falsas, contundentes e até desaconselháveis. Mas não podemos ignorar que é uma ferramenta interessante, moderna, fascinante e que nós professores devemos ser os mediadores entre os alunos e o conteúdo da internet para que eles façam uma leitura de mundo usando a criticidade que desenvolvemos através das obras manuseadas.

ComArte: A leitura na web é fragmentada - com textos, mas também imagens, jogos, vídeos. Essa fragmentação dos conteúdos na internet não afeta de forma negativa a formação de novos leitores?

Léa: Se o leitor tiver uma formação sólida, calcada no processo de leitura que deve ser seguido desde os anos iniciais, ele terá a capacidade de filtrar aquilo que lhe serve e descartar aquilo que considera não pertinente. A web, como qualquer outro meio midiático, tem os seus dois lados e o professor tem a oportunidade de fomentar valores e princípios que possibilitem ao aluno leitor saber selecionar aquilo que lhe convém. Nunca esqueçamos que o desenvolvimento do espírito crítico é que vai nos credenciar para sermos bons ou maus leitores. O fragmento da web não deixa de ser uma estratégia metodológica para que o nosso aluno saiba completar, buscar, complementar a ideia, tal qual ele já fazia nos trabalhos tradicionais de leitura em livros e semelhantes.

ComArte: De acordo com sua experiência em sala de aula: como você percebe a evolução da tecnologia e a transferência gradativa do processo - não só de leitura, mas de aprendizagem - para a internet?

Léa:  A tecnologia chegou muito rapidamente, pois dos filmes legendados e da máquina de escrever passamos para a rapidez do computador e das redes sociais que nos aproximam de todos, sem exceção. Vivemos num mundo sem barreiras, onde somente sobreviverão àqueles que souberem dominar a máquina e estarem abertos às novidades que surgem dia a dia. Não tem mais utilidade usarmos matrizes para nossos alunos quando temos programas pedagógicos online que encantam pela performance e motivam o aluno a aprender e refazer até acertar. Esta é uma autoaprendizagem, uma preparação para a vida fora dos muros escolares, a proximidade da escola com as coisas que são de interesse dos alunos.
·       
     O que deixo bem claro é que a presença do professor, como um eterno estudante e aprendente, não pode ser dispensado em situação nenhuma, pois ele ainda é o responsável pelo acompanhamento dos alunos e a sua dissipação de dúvidas. A diferença é que hoje o professor aprende com o aluno e interage com ele, ambos saem realizados no final das tarefas.

ComArte: Você acredita no sucesso da leitura digital, através e-books e leitores de livros digitais, como o Kindle?

Léa: Naturalmente que acredito nesse sucesso e já me faço valer dele, bem como incentivo e motivo meus alunos a se envolverem com ele. No entanto, o lugar do livro de papel jamais será superado, pois os dois tipos de ferramenta devem andar lado a lado, se complementarem e não competirem entre si.


ComArte: Na última edição da Jornada de Literatura houve grande discussão a respeito da interatividade através da leitura digital: a editora Kate Wilson apresentou um aplicativo que transformava Cinderela em animações, músicas e recursos de brincadeiras interativas, ao passo que os críticos Alberto Manguel e Beatriz Sarlo não concordaram com a apresentação de Wilson. O que você pensa a respeito de tornar a leitura inteiramente digital e totalmente interativa?

Léa: Pessoalmente tive a oportunidade de assistir o embate e me posiciono da seguinte forma: não podemos adotar apenas uma linha de pensamento num mundo de pluralidade de ideias e concepções, e defender o nosso ponto de vista como o correto. Logo, penso que deva haver equilíbrio entre o mundo real e o mundo digital, especialmente em países como o Brasil, onde as dificuldades culturais e regionais são muito acentuadas.

Busquei filtrar o que teve de bom de cada um dos posicionamentos e não me apaixonei por nenhum. Pelo contrário: olho a realidade dos alunos que trabalho e busco adaptar a cada uma dessas realidades o trabalho que poderá produzir mais efeitos produtivos culturais, mostrando-lhes as possibilidades, mas deixando à vontade para escolherem dentro da cultura que trazem aquela que vai ser mais útil a cada um deles. Então a leitura tradicional em livros segue e a digital é usada dentro das possibilidades de cada escola.

ComArte: Um vídeo que fez sucesso na internet mostrava uma garotinha de apenas um ano tentando manusear uma revista como se estivesse inserida em um iPad. Você concorda com o uso de computadores, celulares e da própria internet por crianças cada vez menores?

Léa: É um assunto bastante delicado e nessa faixa etária envolve mais a opção e o posicionamento familiar. Se a criança viver num mundo digital, onde seus pais e irmãos também acessam, para ela vai ser lugar comum essa interação e vai lidar bem com a situação. Os limites quem vai impor são os pais.

Agora, vamos usar o bom senso e ver se faz bem para o desenvolvimento da fase em que a criança encontra tantas ferramentas diferentes e para que elas vão servir: será para a satisfação dos pais? Será para mostrar aos amigos que o filho já domina essa tecnologia? Ou será com vistas ao desenvolvimento cultural da criança?

Eu, como mãe, sempre busquei que meus filhos tivessem as fases indicadas para cada estágio do seu crescimento e amadurecimento, e posso dizer que não me arrependo de ter agido assim. Mas cada pai e mãe sabe o que é melhor para o seu filho...

ComArte: Que consequências esse contato tão cedo e tão próximo com as novas tecnologias pode trazer para o desenvolvimento da leitura?

Léa: Para o desenvolvimento da criança pode dificultar, como tenho presenciado, algumas habilidades ligadas à motricidade fina e ampla que devem ser desenvolvidas com exercícios com lápis, desenho, papel, tinta, recorte e que o mouse, por mais que faça mais perfeito, não consegue substituir. E isso vai se refletir na leitura e na escrita, seja no modo tradicional como no tecnológico. Logo, a criança não deve queimar etapas importantes que somente conseguirá socializar através do trabalho em grupo, do lúdico, do contato com o colega. E isso o computador não proporciona, pois nós ficamos bastante individuais diante da máquina.

ComArte: Como você faz para despertar o interesse dos seus alunos pela leitura?

Léa: Levo a mala de livros, com obras de acordo com a idade deles, os gibis, e mostro a sensação que é sentir a textura do papel e poder trabalhar transformando-o em várias formas, que a internet ainda não permite. Também mostro o valor do livro que nunca nos deixa na mão, quando a internet está lenta ou fora do ar.

ComArte: A série Harry Potter vendeu mais de três milhões de exemplares somente no Brasil e 400 milhões em todo o mundo. Em 2008, a escritora Stephenie Meyer repetiu o sucesso editorial com a saga Crepúsculo que soma mais de 120 milhões de exemplares vendidos. Qual sua opinião sobre as publicações com grande uso de marketing?

Léa: O marketing é a sensação do momento e não podemos fugir dele. O que precisamos é ter a capacidade de analisar se ele serve aos meus objetivos ou simplesmente apreciá-lo sem me deixar influenciar, tal qual uma pessoa sem opinião que vai atrás de informações montadas para nos convencer a aceitar o que pretende. Mas não podemos ignorar que o marketing existe e que os marqueteiros tanto podem construir uma imagem ou destruí-la em poucos minutos. Tudo depende dos grandes interesses que estão em jogo.

ComArte: Esses livros contribuem de fato para a efetivação de novos leitores?

Léa: Naturalmente, tudo que lermos e for analisado deixa em nós uma influência, e é esta influência que vai determinar o nosso grau de subserviência aos meios midiáticos.

ComArte: Como foi o seu processo de adaptação às novas tecnologias?

Léa: Tranquilo, bem pensado, me integrei rapidamente e posso dizer que convivo bem com o processo antigo e o atual, sempre buscando explorar, conhecer e me aprofundar em ambos, estabelecendo paralelos e formando opinião.
 



*Bruno Quevedo é acadêmico do VII semestre do curso de Jornalismo da UPF.
** A entrevista foi realizada via e-mail.

0 comentários: