terça-feira, 15 de novembro de 2011

Movimentando a cultura gaúcha

Débora Padilha de Oliveira*

Os Festivais Nativistas além de renovar, preservam e divulgam a cultura do Rio Grande do Sul


A cultura passando de pai para filha.
Glaucio com sua filha Valentina, que conforme ele,
vai ser a renovação da Rádio Alma Nativa. Créditos: Daiane Zamin Vieira


Um ponto de encontro entre os apreciadores e um mecanismo de divulgação e preservação da música do Rio Grande do Sul. Assim podem ser definidos os Festivais Nativistas, que acompanham ao longo dos anos a disseminação da cultura do estado. Em todo Rio Grande do Sul existem pessoas que não apenas gostam da música nativista, mas que se preocupam em preservá-la e difundi-la para as novas gerações.

Um desses exemplos é Glaucio Lemos Vieira de Lagoa Vermelha, que além de participar e conhecer a história dos Festivais, é proprietário da Rádio Alma Nativa, que 24 horas por dia divulga a música nativa e campeira do estado. Conforme Glaucio, a Rádio se propõe a resgatar antigas obras perdidas pelos discos de festivais e também trazer ao grande público as novidades que estão chegando ao mercado. “Nosso principal objetivo é preservar a qualidade musical do estado e desta forma colaborar com o manancial de cultura chamado Rio Grande do Sul”, destaca. Glaucio fala um pouco mais sobre os Festivais e Rádios Nativistas:

Revista ComArte: Quando teve início seu apreço pela música nativista?

Glaucio Vieira: Sou neto de um grande músico, o Tio Pedrinho. Além disso, meu pai Guaraci, sempre nos incentivou desde pequeno a frequentar Festivais e CTGs. Lembro de meu primeiro Festival em 1982 na Seara da Canção de Carazinho.

Revista ComArte: Quais são os principais Festivais Nativistas realizados atualmente no estado?

Glaucio Vieira: Os Festivais Nativistas têm um capítulo importante no desenvolvimento cultural do estado.Tudo começou com a Califórnia de Uruguaiana na década de 70. Hoje são mais de 40 Festivais anuais espalhados pelo Rio Grande e também por Santa Catarina e Paraná. Eleger somente alguns é difícil devido às características únicas de cada evento, mas não podemos deixar de citar a Coxilha Nativista de Cruz Alta, a Tertúlia de Santa Maria, o Cante uma Canção em Vacaria e a Sapecada da Canção de Lages. Importante ressaltar que alguns destacam-se pela premiação que oferecem e outros pela valorização e visibilidade que concede a seus participantes, como é o caso do Festival da Barranca de São Borja, que é fechado somente para convidados que na grande maioria são músicos ou pessoas ligadas ao meio tradicionalista. Vencer a Barranca alicerça a carreira de qualquer músico.

Revista ComArte: O que representam os Festivais Nativistas para a cultura gaúcha?

Glaucio Vieira: Um festival nativista é um manancial de cultura gaúcha, além de ser responsável por apresentar ao mercado novos talentos, cantores, músicos e compositores. Por ter esse caráter de renovação, o festival movimenta a arte como um todo. O Festival serve também como “fiel” da balança cultural, pois além de renovar, também resguarda e preserva a história de músicos tão importantes de nosso estado. Existem muitos eventos paralelos aos Festivais, como feiras, visitação em escolas e gincanas culturais. Estes atrativos acabam por movimentar o meio cultural do estado. A cada Festival a “roda” nativista gira e sendo assim movimenta toda a comunidade que está envolvida.

Revista ComArte: Como você vê a participação de público nos Festivais Nativistas? É restrito?

Glaucio Vieira: De maneira geral o público comparece e prestigia os Festivais, porém, em comunidades onde existem estes eventos há algum tempo, percebe-se um envolvimento maior. Nos últimos anos percebe-se que o público está mais atento aos Festivais, talvez pela possibilidade de ver grandes artistas numa mesma noite, ou talvez pelos shows que sempre estão inseridos nos eventos. Outro aspecto interessante é o respeito que o público trata os artistas. Dificilmente se ouve vaias ou manifestações de desrespeito. Nesse aspecto é um público diferenciado, educado e que busca por qualidade.

Revista ComArte: E para o futuro? Qual a tua expectativa em relação aos Festivais?

Glaucio Vieira: A melhor possível. Os Festivais estão cada vez mais presentes nas agendas dos municípios. Hoje em dia temos Festivais em municípios pequenos, o que não era tão comum há alguns anos atrás. O financiamento público colaborou, e muito, para a disseminação. A cultura de maneira geral carece de mais investimentos e atenção de parte do poder público. Com os Festivais não é diferente, tem muito para crescer e melhorar.

Revista ComArte: Lagoa Vermelha é uma cidade que vive intensamente o tradicionalismo, porém atualmente não existem Festivais Nativistas. O que seria preciso para implantar eventos deste tipo?

Glaucio Vieira: Precisa que a sociedade se mobilize. Lagoa Vermelha teve seu Festival Nativista nos anos de 91 a 93, o Lagoa da Canção Nativista. Além do apoio do poder público municipal é preciso o empenho das forças políticas e lideranças da sociedade para que o festival aconteça. Existe já uma mobilização, de forma tímida ainda, para que Lagoa Vermelha volte a ter seu Festival de música, mas para que realmente aconteça a comunidade deve estar envolvida como um todo na realização do evento, como fazem por exemplo os municípios de Cruz Alta e Vacaria. Gostaria de lembrar que outros municípios com potencial econômico muito maior que Lagoa Vermelha deixaram morrer seus Festivais, como é o caso de Passo Fundo com o Chamamento do Pampa e Uruguaiana que também está permitindo que a Califórnia da Canção (esse sim, o festival mais importante do estado!) desapareça.

Revista ComArte: Na tua visão qual o papel das rádios nativistas para a disseminação deste tipo de música? Quais os estados que mais apreciam?

Glaucio Vieira: Este é um capítulo a parte da qual sou suspeito para falar. As rádios nativistas nasceram em sua maioria pela percepção de seus proprietários de um público carente de qualidade, um público exigente que presta atenção às letras, não somente às melodias, que não se contenta com refrões vagos e repetitivos. É de responsabilidade dessas rádios, além das músicas, preservar a história dos Festivais, os acontecimentos, os causos. Se não for assim, cai na mesmice das grandes rádios comerciais. As rádios têm papel importante no que se refere a levar qualidade musical a seus ouvintes. A grande diferença das rádios nativistas é que elas estão segmentadas e buscando atingir diretamente esse público dos Festivais, que é exigente e bem informado. As rádios contribuem na medida que através da internet aproximam amantes da boa música em vários estados e também no exterior. Gaúchos que vivem longe do estado se emocionam a lembrar de Cesar Passarinho, Edson Otto e saber, por exemplo, que Marco Aurélio Vasconcellos ainda participa de Festivais. Esse tipo de serviço só a rádio especializada presta, além das agendas dos Festivais e dos próprios cantores. Hoje em dia muitas dessas rádios transmitem ao vivo as emoções dos Festivais. Isso é comum hoje, você acompanha o Festival sem sair de casa.

*Débora Padilha de Oliveira é aluna de Jornalismo da UPF, VI Nível.

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