sábado, 27 de junho de 2009

a arte pela arte

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Luciele Copetti

Uma arte intensa. Cheia de cores e texturas. Com uma linguagem que se constrói a cada passo, conversas ou goles de qualquer bebida que ali encontrar. Uma grande obra de arte para a apreciação do seu público, com os mais diversos materiais e possibilidades, mas para ser apreciada durante a noite. Uma casa que se transformou em uma instalação, onde a percepção estética é a chave da comunicação artística.

Régis Keller, artista plástico natural de Ijuí – RS, veio a Passo Fundo – RS para estudar desenho em 1993. Há 15 anos a arte tornou-se uma profissão para ele. Participou da instalação da obra “escrita de Deus” de Gustavo Nachle, em 1994. A partir daí vem desenvolvendo o seu trabalho como artista a favor da arte. Uma vida pela arte. Uma entrevista que mostra que a arte desenvolvida em lugares ocasionais pode transformar o público. Régis é responsável pela obra no “Amstad Arte Bar”, na rua independência, em Passo Fundo.

O que é arte?

É toda manifestação relacionada com alguma temática que você tenha que trabalhar. Ou você vai falar aquilo que você pensa através do desenho, ou você vai falar aquilo que você pensa através da escultura, ou você vai expor aquilo que você pensa através de uma técnica artística. Seja ela pintura, escultura, gravura, desenho, grafite, desenho a mão livre, rabisco ou traço. Qualquer representação artística que signifique alguma coisa que o autor queira repassar. Ela se concretiza no momento em que você consegue fazer esse elo, fazer com que o espectador sinta aquilo que você sentiu, veja aquilo que você viu, ou ao menos ele tente achar alguma coisa interessante ou que tenha esse diálogo com aquilo que você trabalhou. Seja através da escultura, por exemplo, a pessoa olha a escultura ela vai manifestar um conceito sobre aquilo, e essa passagem, esse elo, é a manifestação cultural que eu acredito que seja a arte.

Quais os materiais que foram utilizados neste trabalho?

Primeiro usamos aquilo que tínhamos aqui dentro. Nós buscamos elementos que também tivessem a ver com aquilo que estávamos trabalhando. Então, usamos as aberturas como um ponto forte, quase que o principal, que era manter as características de casa antiga. Referências, por exemplo, pictóricas de casas desgastadas, de materiais texturados, como a estopa resinada nas luminárias. E consegui alguns elementos com o desenho um pouco mais velho, que seriam as luminárias em madeira com corrente – que estão nas duas peças do centro – dessa textura que está no bar. Procuramos também uma um artista que tivesse alguma referência com essa identidade que nós estávamos criando no bar. Então apostamos que o desenho ele teria um bom relacionamento com a obra do Gustav Klint e nós trabalhamos as impressões (MESAS) de alguns detalhes do desenho do Klint ampliado nas mesas que formam o corredor. Por ser um desenho que tem bastante textura (não é uma pincelada chapada) o trabalho do Klint tem aquilo que nós estávamos buscando, que levamos para as paredes, que é mancha, o desgastado e a cor. Trabalhei também com o grafite alemão, a sterder oito B, tinta acrílica, tinta fosca, uma tinta só com a transparência, vernizes, automotivos, resina, estopa, metal, foram alguns dos materiais que usei durante o desenvolvimento do trabalho.

A linguagem visual foi construída a partir da sua concepção ou em conjunto com os proprietários?

Eles vieram com a vontade. Tinham essa vontade de explorar alguma coisa que fecharia com o desenho do Klint. Então sentamos e avaliamos o desenho do artista, e a partir daí começamos a montar os ambientes.

Você trabalhou a partir de obras de arte. Essa obra fica como uma peça decorativa ou como observação da obra em si?

Estes dois desenhos que fazem parte deste corredor que tem o trabalho do Klint bastante destacado nas mesas acredito que busca essa apreciação. Procuramos linguagens parecidas. Um Van Gogh e um autor que agora eu não lembro o nome para poder citar, mas também uma ilustração premiada pela revista Abigrafi, que tinha essa textura no traço. O traço é um traçado múltiplo, tenho várias linhas de grafite que formam a linha principal, como se fosse uma rasura de lápis para poder construir o traço. Essa rasura ela lembra muito a textura que usei manchas das outras salas. Formam uma unidade. E o Van Gogh ele tem aquela pincelada texturada. Esse foi o determinante para nós optarmos por estes dois trabalhos. Eu representei da melhor forma, porque eu não represento o desenho inteiro deles, eu represento um pedaço do desenho, aquele que eu acho que se encaixou mais com o espaço. Em primeira mão, esse desenho é para ter um pouquinho mais de profundidade em uma parede, para criar um pouco de perspectiva. Esse desenho do Van Gogh, (CAFÉ), eu tenho ele com um bar, uma rua que constrói uma perspectiva ao fundo. Essa perspectiva seria quase que um trabalho de tromp oil, só que não necessariamente com o realismo que o tromp oil exige, trabalhei isso. Misturei as coisas. O contemporâneo permite essa mistura de elementos. Eu teria uma técnica adequada para resolver esse problema, que é o problema da perspectiva, mas como o trabalho do Van Gogh era aquele colorido que procurávamos com cores vivas e as cores primárias que eu gosto de trabalhar bastante, o (Van Gogh) artista tem a exploração destas cores de uma forma brilhantíssima. Eu me considero uma pessoa feliz e realizada por poder trabalhar em cima. Tomara que ele não reclame do que eu fiz. Eu gosto muito dessa textura dele, essa pincelada nervosa, onde a todo o instante tem uma pincelada. Você não vem com muita calma, você vem com muita rapidez no fazer. Não é uma pincelada meio sinuosa, ela tem uma certa ansiedade. Ela representa essa rapidez com que ele fazia os seus trabalhos.

Essa arte em lugares mais diferenciados possibilitando o acesso das pessoas estabelece uma forma de construção e desenvolvimento da sensibilidade estética. Você acredita que o seu trabalho possibilita isso para o público?

Desenvolver alguma opinião a respeito e poder desenvolver essa percepção estética é o que a gente espera.

Então essa percepção estética tem o mesmo sentido nestes ambientes ocasionais?

Sim, foi o propósito. Porque no primeiro contato com o proprietário ele esclareceu que a finalidade dele, pelo nome “Amstad Arte Bar”, tinha que ter esse relacionamento. Ele queria ter um diálogo diferenciado para o público dele através de manifestações culturais dentro do seu estabelecimento comercial.

As formas artísticas aqui estabelecidas vão além das suas próprias intenções como artista?

A receptividade está sendo muito boa. Eu estou achando que as pessoas também estão tendo essa visão do quanto é importante essa forma de linguagem. Então, se há satisfação diante do resultado final do trabalho, eu percebo isso porque o público comenta, tem uma receptividade.

Qual a sua percepção de belo?

Não sempre o que agrada.

O conceito de “obra aberta” cunhado pelo filósofo Umberto Eco se estabelece neste ambiente?

O ciclo não se fecha. Temos uma opinião nova, porque um número ilimitado de pessoas vai passar e vão ter diferentes formas de perceber esse trabalho. Porque a arte completa, essa linguagem completa, ela vem justamente no momento em que você pode entrar aqui e a cada dia perceber um elemento diferente. Essa é forma de pensarmos a obra como completa, ela é inacabada até o meu público conferir essa linguagem que se adapte a ele. Essa é uma grande instalação.

Velázquez dizia que não pintava uma rosa, mas um borrão que se parecia com uma rosa. Como pode ser identificado o artista Régis?

Eu sou artista plástico, a minha capacidade de conseguir um resultado positivo, eu só consigo em ambientes grandes. Então eu não consigo levar isso até um cavalete ou até um quadro, por exemplo. Eu tenho muita dificuldade em só pintar uma tela, sem criar um elemento tridimensional a sua frente, sem trabalhar o elemento tridimensional através de uma textura. Eu não saberia citar uma característica, até porque é difícil se rotular, mas eu estou dentro do contemporâneo que é essa mistura de elementos. Acredito que as minhas texturas são o mais forte do meu trabalho. Vou muito em busca dessas manchas. Como diz o Velázquez, você quer ver a rosa através da minha mancha, do meu borrão, você vê. Eu estou tentando com que as pessoas vejam, de repente, através das minhas texturas alguma coisa. Isso fica mais evidente para aqueles que observam. Vou precisar que alguém venha e diga como é meu trabalho. Estou trabalhando na minha linguagem há seis anos. Eu trabalho muito com o capital que vem de terceiros, então eu tenho que trabalhar com outras ideias e pessoas em conjunto. Eu não consegui tempo suficiente – fora do trabalho que eu tenho para retorno financeiro, porque precisamos desse retorno também para poder se financiar – para trabalhar minha linguagem. Eu participei sempre de exposições coletivas. Tenho mais um bom tempo em cima até chegar a uma linguagem própria.

Qual parte desta grande obra você tem mais apreciação?

Todo o conjunto eu gosto. Porque essa grande instalação você tem espaços onde pode contemplar o que agrada o visual. Porque a casa tem muitos espaços abertos, muitas lacunas, e é através destes vãos que a gente consegue perceber as outras peças. Então eu tentei – e acho que consegui acertar de maneira satisfatória – esse equilíbrio que eu tenho entre as cores, entre os elementos que foram usados aqui dentro. Você olha através destes vãos e todo o ângulo que você olha vai ter uma harmonia. As cores vão estar harmoniosas, os elementos vão agradar. Então essa foi a principal preocupação que eu tive, e acredito que obtive um resultado satisfatório dentro daquilo que esperávamos.


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