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Fabíola Hauch e Fernanda Canofre
Por volta de 1800, na Itália, depois de derrotar Napoleão Bonaparte, os aliados começavam a pôr em prática seu regime. Única oposição ao autoritarismo, uma sociedade secreta se levantou para contestar. Alguns dizem que ela nasceu da maçonaria, outros que desceu da França para a Itália através de uma sociedade de ajuda mútua. A ideologia se dividia entre os membros que defendiam a República e os que eram monarquistas. Mas a Carbonária afinava o coro na defesa de ideais liberais e na luta contra o absolutismo e o poder da Igreja. Nas reuniões secretas, espalhadas em barracas por toda a Itália, os carbonários criaram seu próprio alfabeto, sua própria linguagem para comunicar seus protestos, suas contestações, suas idéias.
A pichação, outra forma de linguagem, outro alfabeto de protesto, não nasceu de nenhuma sociedade secreta. Ela estava presente nos muros soterrados de Pompéia, no punho de padres revolucionários da Idade Média e nas mãos dos estudantes parisienses que tomaram as ruas no mitológico maio de 68. Porém, o tempo, acabou por transformar um meio de comunicar idéias, em um ato marginal. No Brasil, de acordo com o artigo 65, da Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), vandalismo é considerado vandalismo e crime ambiental. Estipulando como punição “pena de detenção de 3 meses a 1 ano, além de multa, para quem pichar, grafitar ou por qualquer meio conspurcar edificação ou monumento urbano”. Mesmo assim, há quem resista com frases e desenhos, teimando em parar a rotina das cidades com uma intervenção de ideologia.
Spider Jerusalém, 29 anos, vegetariano radical, viciado em discos de vinil e agitador cultural nos fala como usa suas pichações para contestar e expressar suas idéias.
1. Há quanto tempo você picha?
Nas paredes do colégio, desde que aprendi a escrever. Na rua, faz uns quatro anos. Comecei tarde, com uns 25 anos.
2. Por que você começou a pichar?
Uma necessidade de expressar idéias que socialmente não são aceitas. Dizer coisas que as pessoas não querem ouvir (ou ler, no caso). E até mesmo coisas que elas nunca tenham sequer imaginado.
3. Você tem idéia de quantas pichações já fez?
Não muitas. Normalmente são bem pensadas. Algo idealizado. Fiz umas 20, aproximadamente.
4. O que é pichação pra você?
Uma manifestação social. Uma das maneiras mais singulares de comunicação.
5. Pichação é arte ou vandalismo?
Grafite é indiscutivelmente arte. Chega ser ridículo ter que explicar isso, ou ver pessoas criticando grafismos. Já pichação, por mais que socialmente seja algo repudiado, muitas vezes considero que possa ser uma manifestação artística. Não essas bobagens de neguinho ficar escrevendo o nome, nos muros por aí, só para satisfazer o ego. Pra aparecer.
Mas quando é uma denúncia, uma crítica, uma manifestação, é sem dúvida arte! Desde o romantismo, seguindo por toda uma vertente de vanguarda, a rebelião, a revolta, é um elemento ideológico das artes. Nesse sentido, quando se trata de algo conceitual, a pichação pode ser arte sim.
6. Quais são tuas inspirações na hora de pichar?
Normalmente é algo que eu leio. Um poema. Uma frase de efeito. Ou mesmo um sentimento de indignação. Por exemplo, sou vegetariano radical, e uma vez fiz uma pichação enorme perto de um supermercado: "Carne é Assassinato". Foi uma manifestação pela preservação do planeta, contra os maus-tratos dos animais...
Justo por ser inspiração, não é algo programável. Mecânico.
7. Alguma vez já te flagraram fazendo pichação?
Sim. Numa madrugada eu estava pichando um muro enorme, de uma garagem de carros, na frente de uma escola. A frase ia ser algo como "Renegue a escola, a igreja, a família e estado." Na metade da frase, comecei ouvir alguém: "pssst". Olhei pra cima, e tinha um cara em cima do muro. Na hora gelei, não sabia o que fazer. Sai correndo e ele não veio atrás. Nunca mais ninguém me flagrou.
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